Uma Nova Perspetiva para as Pensões em Portugal: Adotar o Modelo CPF de Singapura?
- c
- 8 de nov. de 2024
- 8 min de leitura
Portugal enfrenta um dilema que afeta diretamente o futuro de milhões de cidadãos: como garantir uma reforma digna e sustentável para quem trabalha a vida inteira? A questão das pensões não é apenas um tema financeiro, mas uma escolha de modelo de sociedade. Durante décadas, temos confiado num sistema de repartição (pay-as-you-go), onde cada geração de trabalhadores financia as reformas dos que já não estão no ativo. Este modelo funcionou bem enquanto a demografia o permitiu, mas as coisas mudaram. Hoje, com o envelhecimento populacional e o declínio das taxas de natalidade, o nosso sistema de pensões está sob uma pressão sem precedentes, ameaçando tornar-se insustentável no médio prazo.
Neste contexto, torna-se necessário explorar alternativas. E uma dessas alternativas – que muitos considerariam ousada, mas talvez inevitável – é o modelo de poupança obrigatória da Central Provident Fund (CPF) de Singapura. Este sistema, que assenta na responsabilidade individual, na poupança compulsória e numa menor dependência do Estado, oferece uma perspetiva que desafia a tradição e mentalidade europeias de dependência do Estado. A transição não seria fácil e enfrentaria várias resistências, mas talvez esta seja a única via para assegurar um futuro digno e sustentável para os nossos idosos, sem sacrificar as gerações futuras ao peso da dívida pública e da dependência estatal.
O Modelo CPF: Responsabilidade Individual Acima de Tudo
O CPF de Singapura, criado em 1955, é um sistema de poupança obrigatório que obriga tanto trabalhadores como empregadores a contribuírem para contas de poupança individuais. O sistema tem três componentes principais:
Conta Ordinária (OA): destinada a habitação, educação e parte das poupanças para a reforma.
Conta Especial (SA): focada exclusivamente nas poupanças para a reforma.
Conta MediSave (MA): destinada a despesas de saúde e seguridade social.
No total, trabalhadores e empregadores contribuem atualmente com cerca de 37% dos salários para o CPF, um valor que pode parecer elevado mas que tem como objetivo garantir a segurança financeira em várias frentes – reforma, saúde e habitação. Este modelo, diferente do que se observa na Europa, permite que cada trabalhador acumule um fundo próprio para a sua reforma, com o Estado a intervir apenas para gerir o fundo e garantir um retorno sobre o investimento. O CPF está projetado para sustentar os cidadãos ao longo da vida, com um modelo de responsabilidade individual que questiona as bases do assistencialismo europeu, colocando o indivíduo – e não o Estado – no centro da sua própria segurança financeira.
Este sistema exige disciplina e responsabilidade, valores que têm sido minimizados em sociedades onde a assistência estatal se transformou numa almofada confortável mas ilusória. O CPF diz a cada cidadão: “O teu futuro depende de ti”, e ao fazê-lo, ensina valores que muitos de nós, especialmente nas gerações mais jovens, esquecemos. Em Portugal, onde o Estado social é amplamente defendido, este tipo de responsabilização individual pode parecer estranho, ou até severo, mas é importante reconhecer que o atual sistema de pensões não é financeiramente sustentável sem reformas profundas.
As Lições de Singapura
O sucesso do modelo CPF em Singapura não é uma coincidência. A criação deste sistema foi acompanhada de políticas de crescimento económico sustentado e uma taxa de desemprego historicamente baixa, o que permite que quase todos os trabalhadores contribuam para o fundo. Singapura também é conhecida pela sua abordagem pragmática às políticas públicas, e o CPF é uma extensão desse pragmatismo, oferecendo uma solução onde o Estado assegura o retorno dos fundos sem a complexidade de promessas futuras que podem não ser viáveis.
Os fundos do CPF são investidos em obrigações seguras emitidas pelo governo, com uma taxa de retorno garantida que, historicamente, tem ficado acima da inflação. Isso significa que os trabalhadores não só estão a poupar para o futuro como também estão a proteger o valor real das suas poupanças. Em Portugal, onde a inflação volta a ameaçar o poder de compra, esta estabilidade é mais relevante do que nunca. Enquanto os nossos reformados veem o valor das suas pensões ser corroído por uma economia enfraquecida, os singapurenses têm a segurança de saber que os seus fundos crescerão de forma estável e previsível.
Outro ponto de destaque do CPF é o impacto positivo na sustentabilidade fiscal do governo. Em vez de consumir uma percentagem crescente do PIB em pensões, Singapura libertou o orçamento estatal para investimentos em áreas prioritárias como infraestruturas, educação e saúde. Em Portugal, onde gastamos cerca de 14% do PIB em pensões – uma das taxas mais elevadas da OCDE –, um sistema de capitalização obrigatória permitiria redirecionar uma parte significativa dos recursos para áreas que realmente impulsionam o crescimento económico e a prosperidade futura.
O Desafio da Sustentabilidade: Portugal e o Envelhecimento Demográfico
Portugal enfrenta um problema estrutural: o nosso sistema de pensões foi desenhado para uma sociedade que já não existe. Quando o modelo de repartição foi implementado, as famílias eram grandes e a esperança média de vida era mais curta. Hoje, com um dos índices de natalidade mais baixos da Europa e uma das populações mais envelhecidas, o sistema de repartição tem cada vez menos trabalhadores a suportar cada vez mais reformados.
Este problema não é exclusivo de Portugal; muitos países europeus enfrentam o mesmo dilema. No entanto, Singapura demonstrou que é possível construir um sistema sustentável que não dependa da pirâmide demográfica e que não coloque a carga exclusivamente nos trabalhadores ativos. O modelo CPF é independente das flutuações populacionais porque assenta na poupança individual e na capitalização, uma estratégia que garante que cada cidadão é responsável pela sua própria reforma.
Implementar um sistema como o CPF em Portugal não eliminaria de imediato os problemas demográficos, mas reduziria significativamente a pressão sobre o orçamento do Estado e ofereceria uma solução mais justa para as gerações futuras. Em vez de transferir a responsabilidade para os contribuintes de amanhã, cada trabalhador acumularia a sua própria poupança, tornando o sistema mais equilibrado e menos dependente de fatores externos como a natalidade ou a imigração.
Os Benefícios de um Sistema de Capitalização Obrigatório
Um modelo de pensões como o CPF oferece várias vantagens que merecem consideração, sobretudo numa perspetiva de direita, que valoriza a autonomia e a responsabilidade individual. Estes valores não são apenas ideológicos, mas também práticos, e podem contribuir para a resolução de um problema que se tem mostrado insolúvel com políticas de assistencialismo estatal.
Promoção da Responsabilidade Individual
O CPF exige que cada trabalhador pense no seu futuro e poupe de acordo com as suas necessidades. Esta abordagem é essencialmente contrária à ideia de um Estado que tudo resolve e promove uma cultura de responsabilidade pessoal, onde cada cidadão sabe que o seu futuro depende de si. Num país como Portugal, onde o Estado é visto quase como um “pai” que cuida dos cidadãos do berço ao túmulo, esta transição não seria fácil, mas poderia representar um avanço cultural significativo.
Flexibilidade e Proteção contra a Inflação
A estrutura tripartida do CPF permite que as poupanças sejam usadas para mais do que a reforma, incluindo habitação e despesas de saúde. Este tipo de flexibilidade pode ser extremamente vantajoso em Portugal, onde a habitação é uma preocupação crescente. Além disso, o CPF oferece proteção contra a inflação, o que é crucial em tempos de incerteza económica. Com as taxas de inflação a flutuarem, especialmente em economias vulneráveis como a nossa, ter um sistema de pensões que cresce ao ritmo do mercado e se mantém estável ao longo do tempo é uma garantia de segurança para os futuros reformados.
Redução da Pressão sobre o Orçamento do Estado
Num sistema CPF, o Estado não tem a obrigação de financiar reformas. Em vez disso, a responsabilidade de poupar recai sobre os trabalhadores e empregadores. Isso permite ao governo dedicar-se a áreas produtivas, como educação e inovação. Se Portugal conseguisse reduzir a sua despesa com pensões em 20% ou 30% ao longo de uma década, essa poupança poderia ser investida em setores que promovem o crescimento económico. É uma questão de prioridades e de visão para o futuro.
Os Desafios e as Críticas de um Sistema CPF em Portugal
Claro que qualquer proposta de reforma enfrenta resistência, e esta não seria exceção. A introdução de um sistema de capitalização obrigatória implicaria mudanças profundas nas expectativas da sociedade em relação ao papel do Estado e às suas próprias finanças.
A Realidade Económica e o Desemprego
Portugal não é Singapura. A nossa economia enfrenta problemas estruturais graves, incluindo uma taxa de desemprego relativamente alta e uma economia dependente de setores como o turismo, que são vulneráveis a crises internacionais. Para que um sistema CPF funcione, é necessário um mercado de trabalho robusto e um crescimento salarial sustentado, algo que Portugal não pode garantir de imediato.
O Problema das Contribuições Baixas e do Apoio aos Mais Vulneráveis
Num sistema baseado na poupança obrigatória, quem ganha pouco acumula menos. Em Singapura, o governo introduziu subsídios para os trabalhadores de baixo rendimento, mas mesmo assim existem desafios de equidade. Em Portugal, a questão é particularmente sensível, dado o número significativo de trabalhadores precários e com salários baixos. Para que o sistema CPF funcione sem criar novas desigualdades, seria necessário um plano robusto de apoio social para complementar as poupanças daqueles que, por força das circunstâncias, não conseguem contribuir o suficiente.
Risco de Resistência Social e Mudança Cultural
É previsível que a transição para um sistema de responsabilidade individual nas pensões encontre resistência em Portugal. A nossa cultura política e social habituou-se a ver o Estado como o garante de última instância, e mudar essa perceção exigiria um grande esforço de comunicação e educação financeira. No entanto, este é um obstáculo que pode ser superado se houver uma estratégia de transição gradual e bem explicada, acompanhada de uma forte aposta na literacia financeira.
Medidas para Mitigar o Impacto nas Populações Mais Vulneráveis
A transição para um sistema de poupança obrigatória como o CPF não pode ignorar as desigualdades sociais e as dificuldades de certos grupos. Portugal teria de adotar medidas de mitigação para assegurar que os mais vulneráveis não fossem prejudicados por uma mudança tão significativa.
Subsídios Complementares: Para os trabalhadores de baixos rendimentos, o Estado poderia criar um sistema de subsídios complementares que aumentassem as contribuições ao fundo, de forma a garantir uma poupança adequada para a reforma.
Flexibilidade para Situações de Emergência: Ao contrário do sistema de Singapura, Portugal poderia prever mecanismos de acesso antecipado às poupanças para situações de emergência, como doença grave ou desemprego prolongado, para não colocar os cidadãos em situações de desespero financeiro.
Incentivos Fiscais para Pequenos Contribuintes: Outra forma de aliviar o impacto nas classes mais desfavorecidas seria oferecer incentivos fiscais para pequenos contribuintes, garantindo que uma parte significativa das suas poupanças seja intocada por impostos e contribua para o crescimento das suas reservas para a reforma.
Educação Financeira e Orientação: Um sistema CPF só será bem-sucedido se os cidadãos tiverem a literacia financeira necessária para compreender o seu funcionamento e gerir as suas poupanças. Investir em programas de educação financeira, especialmente para os mais jovens e para os que integram o sistema pela primeira vez, é uma necessidade imperativa.
Conclusão: Uma Nova Visão para a Reforma das Pensões em Portugal
Adotar um sistema de poupança obrigatória como o CPF de Singapura seria uma verdadeira revolução no sistema de pensões português. Não seria fácil, nem seria imediato. Mas, talvez, seja o único caminho viável para garantir um sistema de pensões sustentável, que permita uma reforma digna sem sobrecarregar as gerações futuras. Mais do que uma questão de números, esta é uma questão de mentalidade: queremos continuar a depender de um Estado cuja capacidade de cumprir promessas é cada vez mais limitada, ou queremos um sistema onde cada um construa o seu próprio futuro?
Portugal está numa encruzilhada. Podemos escolher manter-nos presos a um sistema de pensões que já não consegue responder aos desafios de um mundo em mudança, ou podemos abraçar um novo modelo que devolva aos cidadãos a autonomia e a responsabilidade sobre o seu próprio futuro. Esta é uma escolha que exige coragem política e visão de longo prazo, mas é também uma oportunidade para reimaginar o papel do Estado e da sociedade.
Chegou a hora de devolver aos portugueses o poder de construir a sua própria segurança financeira, com um sistema que recompensa o trabalho e o esforço individual, em vez de penalizar os que trabalham. Porque a verdadeira solidariedade é dar a cada um os meios para construir o seu próprio futuro – um futuro livre de ilusões, construído com responsabilidade e sentido de dever.
Comentários