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A Reforma que Portugal Precisa: Altos Salários no Setor Público Não Bastam para Combater a Corrupção e Aumentar a Eficiência

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  • 11 de nov. de 2024
  • 8 min de leitura

Em Portugal, a administração pública parece ser um labirinto impenetrável onde a mudança, quando ocorre, se limita a ajustes pontuais sem impacto duradouro. Entre soluções de “tapa-buracos” e discursos de ocasião, é comum ouvirmos a promessa de que, se pagarmos melhor aos nossos funcionários públicos, eliminaremos a corrupção e atrairemos os melhores talentos. Esta ideia, repetida vezes sem conta, tornou-se quase um mantra para muitos. Mas será que basta? Será que aumentar salários é realmente a solução milagrosa que nos falta? Ou estaremos a seguir a lógica simplista de que basta gastar mais para resolver problemas que são, na verdade, de natureza estrutural e cultural? Neste artigo, defendo que o problema da função pública portuguesa não se resolve com mais despesa, mas sim com reformas profundas, com a promoção da transparência e com uma cultura de mérito que exija verdadeiramente resultados.

 

Nos últimos anos, assistimos ao crescimento de uma mentalidade de gasto desmesurado no Estado. Como se, por algum passe de mágica, mais despesa pública fosse sinónimo de melhor governação. O problema é que o dinheiro não substitui a eficácia, e sem um plano reformista, o dinheiro é mais provável de alimentar os mesmos vícios de sempre. Precisamos de reconhecer a dura verdade: Portugal não precisa apenas de pagar mais aos seus funcionários públicos – Portugal precisa de um setor público que seja transparente, produtivo e que sirva o país e os seus cidadãos, e não os interesses de quem lá está. E para que isso aconteça, a valorização salarial precisa de vir acompanhada de reformas estruturais que transformem a função pública numa verdadeira máquina de eficiência e responsabilidade.

 


Salários Altos no Setor Público: Um Caminho Necessário, mas Insuficiente

 

Antes de mais, devemos reconhecer que pagar bem aos funcionários públicos pode, de facto, ter efeitos positivos. Países como Singapura, Hong Kong e Dinamarca adotaram esta política com sucesso. Mas é fundamental entender que a valorização salarial, isolada, não resolverá os problemas endémicos da nossa função pública. Esses países não se limitaram a aumentar os salários dos servidores; eles instituíram um verdadeiro ethos de serviço público, ancorado na transparência, na prestação de contas e numa cultura de meritocracia.

 

O Exemplo de Singapura: Altos Salários e uma Cultura de Exigência

 

Vejamos o exemplo de Singapura. Este país, conhecido pelo seu desenvolvimento meteórico, decidiu remunerar os altos quadros da função pública com salários que competem diretamente com o setor privado. Um ministro em Singapura pode ganhar mais de 1 milhão de dólares por ano, uma fortuna que dificilmente associamos a servidores públicos. A lógica subjacente é simples: se o setor público paga de forma competitiva, atrai os melhores profissionais e afasta a tentação da corrupção. E, de facto, Singapura é uma das administrações mais eficientes e menos corruptas do mundo, situando-se entre os cinco primeiros lugares no Índice de Perceção da Corrupção da Transparency International.

 

Mas aqui é preciso ser honesto. Não é só o dinheiro que faz a diferença. Em Singapura, a função pública é submetida a um rigoroso sistema de avaliação de desempenho, onde a responsabilidade e a transparência são exigências básicas. Os funcionários públicos têm de cumprir metas e prestar contas, e o acesso aos cargos mais elevados é ditado pelo mérito e pelos resultados. Portanto, a remuneração é apenas uma peça de um sistema muito mais vasto, que tem como princípio basilar o serviço público como dever e não como privilégio.


Hong Kong: Quando Altos Salários se Combinam com Fiscalização Rigorosa

 

O caso de Hong Kong é semelhante. A cidade-estado paga aos seus funcionários públicos alguns dos salários mais altos da Ásia, com o Chefe Executivo a receber cerca de HK$5 milhões por ano. Com um sistema de fiscalização rigoroso e uma cultura de auditoria frequente, Hong Kong conseguiu manter a corrupção sob controlo. O resultado é um serviço público eficaz e uma posição invejável na 12ª posição do Índice de Perceção da Corrupção.

 

Este exemplo, tal como o de Singapura, sublinha a importância dos altos salários – mas também a de uma estrutura de controlo. Sem fiscalização rigorosa, altos salários podem apenas levar a altos desperdícios, um risco que Portugal não pode dar-se ao luxo de correr.

 

Dinamarca: Salários Competitivos numa Cultura de Responsabilidade

 

Na Europa, o exemplo da Dinamarca mostra-nos que é possível ter uma administração pública competitiva em termos salariais, mas sem perder a vocação de serviço e a responsabilidade que define uma verdadeira função pública. A Dinamarca, que ocupa o primeiro lugar no Índice de Perceção da Corrupção, consegue atrair e manter os seus talentos através de uma combinação de salários competitivos e uma forte cultura de prestação de contas. Mais do que altos salários, o que define a função pública dinamarquesa é a seriedade com que se encara a responsabilidade pública. Em Portugal, onde o setor público é muitas vezes visto como uma saída segura e sem grandes exigências, este modelo é um exemplo a seguir.

 

O Caso Português: Custo e Limitações dos Altos Salários

 

Em Portugal, o custo de uma política de altos salários no setor público seria elevado. Em 2022, o Estado português gastou aproximadamente €22 mil milhões com o pessoal do setor público, representando cerca de 22% das despesas públicas. Aumentar os salários dos funcionários públicos em 10%, focando-se nos quadros intermédios e superiores, representaria um aumento adicional de €2,2 mil milhões por ano. Esta despesa seria significativa e implicaria uma necessidade urgente de cortes noutras áreas ou aumentos de impostos, um caminho que a nossa economia, de crescimento lento e endividada, dificilmente pode sustentar.

 

É verdade que uma valorização salarial poderia ajudar a reduzir a saída de talentos para o setor privado, onde os salários são em média 30% superiores em setores como a tecnologia e a gestão. Mas, sem reformas estruturais, estaríamos apenas a gastar mais para alimentar o mesmo sistema ineficiente e, em alguns casos, corrompido. Se queremos um setor público que realmente justifique o investimento, temos de exigir muito mais do que apenas cheques mais altos.

 


O Que Portugal Precisa: Reformas Estruturais para a Função Pública

 

Portugal precisa, sim, de pagar de forma justa aos seus funcionários públicos. Mas, para que esse dinheiro faça a diferença, é fundamental implementar reformas profundas. O problema da função pública não é apenas uma questão de salários – é uma questão de transparência, de responsabilidade e de um sistema que valorize quem realmente faz a diferença. Se quisermos que os salários pagos produzam verdadeiros resultados, temos de reformar a estrutura da função pública, criando mecanismos que promovam a meritocracia e que impeçam a corrupção e o desperdício. Abaixo, apresento algumas das reformas essenciais para que uma política de altos salários seja sustentável e eficaz em Portugal.

 

1. Transparência e Prestação de Contas: Um Pilar para a Confiança

 

Num país onde os fundos públicos são tantas vezes canalizados para interesses obscuros e mal justificados, a transparência tem de ser uma prioridade. Criar um portal de transparência onde todos os contratos, orçamentos e gastos do governo sejam publicamente registados seria um primeiro passo crucial. Embora o custo de implementação e manutenção de um sistema deste tipo seja estimado em cerca de €10 milhões por ano, os benefícios seriam imensos.

 

Com base em estimativas internacionais, uma maior transparência pode reduzir as perdas causadas pela corrupção em 3-5%. Em Portugal, onde a corrupção custa à economia cerca de €18 mil milhões por ano, uma economia de apenas 5% já representaria uma poupança de €900 milhões – um retorno mais do que justificado para o investimento. Mas a transparência tem um benefício ainda mais importante: devolve aos cidadãos a confiança no Estado, mostrando que o dinheiro dos impostos é realmente utilizado em prol do bem comum.

 

2. Digitalização: Uma Ferramenta Contra a Burocracia e o Abuso de Poder

 

É inconcebível que, em pleno século XXI, Portugal ainda dependa de processos burocráticos arcaicos que geram custos elevados e multiplicam as oportunidades de corrupção. A criação de uma plataforma de e-Government, onde os cidadãos possam aceder a serviços públicos de forma centralizada e digital, teria um custo inicial estimado em €50 milhões. Mas, ao reduzir o contacto direto entre funcionários e cidadãos, eliminaria muitos dos pontos de entrada para a corrupção.

 

Na Estónia, onde a digitalização reduziu os custos operacionais em até 20%, o Estado conseguiu economizar milhões e criar um sistema de confiança e eficácia. Se implementado corretamente, um sistema similar em Portugal poderia representar uma poupança anual de cerca de €440 milhões.

 

3. Avaliação de Desempenho: O Fim da Cultura de Antiguidade

 

Em Portugal, a progressão na carreira pública continua a basear-se na antiguidade, um critério que promove a estagnação e não recompensa o mérito. Para atrair e manter os melhores profissionais, é crucial implementar um sistema de avaliação de desempenho, onde o progresso na carreira seja ditado pela competência e pelos resultados.

 

Este sistema teria um custo de aproximadamente €15 milhões por ano em tecnologia e formação, mas poderia aumentar a produtividade em 5-10%. Ao incentivar o desempenho e a inovação, Portugal poderia alcançar uma economia anual de até €220 milhões. Mais importante ainda, um sistema de avaliação rigoroso enviaria a mensagem de que o setor público está aberto a quem quer contribuir, e não apenas a quem cumpre o tempo mínimo exigido.

 

4. Proteção dos Denunciantes: Coragem para Expor a Corrupção

 

Nenhuma reforma será completa se os funcionários públicos não se sentirem seguros para denunciar práticas corruptas. Em Portugal, a falta de proteção para os denunciantes tem um efeito silenciador, permitindo que a corrupção prospere sem consequências. Criar um sistema de denúncias anónimo e seguro, gerido por uma entidade independente, custaria entre €5 a 8 milhões por ano.

 

Nos países onde sistemas de proteção aos denunciantes estão bem estabelecidos, como no Reino Unido, a taxa de deteção de práticas corruptas aumentou significativamente. Em Portugal, um sistema eficaz de proteção aos denunciantes poderia ter um impacto considerável, permitindo ao Estado poupar milhões e criar um ambiente onde a integridade é a norma.

 

5. Envolvimento da Sociedade Civil: Supervisão e Responsabilização

 

Finalmente, Portugal precisa de envolver a sociedade civil e o setor privado na supervisão das atividades governamentais. Nos países nórdicos, conselhos anti-corrupção compostos por representantes do governo, setor privado e organizações não governamentais são uma prática comum e fundamental para uma governação transparente.

 

Implementar um conselho deste tipo em Portugal teria um custo estimado em menos de €5 milhões anuais, mas o impacto na responsabilização seria tremendo. Com um órgão misto de supervisão, os cidadãos teriam uma voz na fiscalização das ações governamentais, e o setor público seria obrigado a prestar contas de forma regular.

 


Conclusão: A Reforma que Portugal Precisa

 

Portugal enfrenta um dilema. Por um lado, precisa de valorizar a sua função pública para atrair e manter talento; por outro, não pode continuar a alimentar uma máquina ineficiente e por vezes corrupta, onde o gasto público é visto como solução para todos os problemas. A verdade é que altos salários, por si só, não resolvem nada. Singapura, Hong Kong e Dinamarca demonstram-nos que é a combinação de salários competitivos com transparência, responsabilidade e mérito que faz a diferença.

 

A questão que temos de colocar é: estará Portugal disposto a fazer as reformas necessárias para transformar a função pública numa instituição ao serviço dos cidadãos e da economia, ou continuará a gastar mais para sustentar um sistema que não serve os interesses do país? Se optarmos pela primeira via, é essencial começar já – e não com promessas, mas com medidas concretas.

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